O ANFITRIÃO 'DESBOCADO'
Na mitologia grega, “Anfitrião era marido de Alcmena, mãe de Hércules. Era o irmão de Anaxo, esposa de Electrião, e Perimede, esposa de Licímnio.
Enquanto Anfitrião estava na guerra de Tebas, Zeus tomou a sua forma para deitar-se com Alcmena e Hermes tomou a forma de seu escravo, Sósia, para montar guarda no portão.
Uma grande confusão foi criada, pois Anfitrião duvidou da fidelidade da esposa. No fim, tudo foi esclarecido por Zeus, e Anfitrião ficou contente por ser marido de uma escolhida do deus. Daquela noite de amor nasceu o semideus Héracles. A partir daí, o termo anfitrião passou a ter o sentido de "aquele que recebe em casa". [Wikipédia livre]
Desta descrição da mitologia grega, podemos fazer um exercício meramente especulativo do encontro do Presidente da Ucrânia, Zelensky recebido pelo ‘anfitrião’ Trump na Casa Branca.
Enquanto anfitrião sabia que a visita de Zelensky se destinava à assinatura do contrato da exploração pelos EUA das 'Terras Raras' (ricas em minerais, em especial para as novas tecnologias como o lítio)' na Ucrânia, em que a contrapartida seria a continuação do apoio norte-americano ao seu povo, garantindo a segurança deste ao final de três anos de guerra provocada pelo agressor Putin. Trump queria a exploração pelos EUA das 'Terras Raras' em troca do apoio financeiro e armas, oferecido pelo governo anterior…
Como um 'verdadeiro' anfitrião Donald Trump veio à porta receber Zelensky, com rasgados elogios sobre a bravura e resistência do povo Ucraniano. Durante a conversa, fez como o Zeus da mitologia grega e resolveu 'deitar-se' com Putin. Há até quem defenda que Trump está a 'lavar a roupa suja' de Putin que pretende com ajuda do homem da 'cabeça amarela' passar de agressor a agredido...
A força militar, económica e geoestratégica no mundo, não pode permitir a Trump humilhar o Presidente de um país soberano que se defende do agressor Putin, servindo quase de tampão para que as invasões do ditador russo não alastrem a outros países, como a Moldávia ou a Roménia. Não pode humilhar o Homem, o ser humano, com a ajuda do seu vice-presidente (montar guarda no portão) num ataque cerrado, por Zelensky não assinar um contrato que não salvaguarda a segurança do povo ucraniano. Foi um passo para que este presidente que vai ficar na história dos EUA, como o único 'aliado' da Rússia, expulsa-se Zelensky da Sala Oval da Casa Branca.
Este encontro despoletou uma série de reacções por todos os países democráticos. O Presidente da França, Emmanuel Macron em entrevista à RTP, afirmou que a Europa tem que deixar de ser ingénua, tornar-se adulta, investir na defesa da U.E. e Nato, para não depender dos EUA, e em especial deste presidente. As negociações para uma eventual paz continuam mas, na qual nem todos acreditam...
Fernando Marques/Director
Karla Sofia Gascón
Desde há alguns anos tem-se assistido em toda a Europa e, em geral, em todo o Mundo, ao crescimento exponencial de partidos políticos conotados com a extrema-direita. Aquilo que há apenas duas décadas nos poderia parecer algo impensável ou pouco provável, sobretudo devido às memórias ainda bem presentes de um conjunto inqualificável de regimes totalitários que assolaram o mundo ocidental durante grande parte do século XX (vou-me cingir apenas àquilo que comummente designamos por “ocidente”, deixando nota, no entanto, que esses regimes ocorreram em quase todas as latitudes), a verdade, porém, é que cada vez mais os partidos políticos cuja ideologia se situa mais à direita têm vindo a ganhar um protagonismo que não deixa de surpreender até os mais cépticos.
É interessante debruçarmo-nos sobre os motivos que estarão na origem desse novo fenómeno, que, como referi, tem vindo a acontecer desde há cerca de década e meia e cujo pioneiro terá sido Jean Marie Le Pen, em França. Neste período de que falo, basta recordar os casos mais recentes da Hungria, da Itália, da Espanha, de Portugal, dos Estados Unidos, dos Países Baixos ou da Áustria para percebermos que não se deverá tratar de um mero movimento conjuntural, passageiro, das vontades populares; deve ser, pelo contrário, uma alteração sociológica, já de caracter estrutural, bem enraizado, que deverá não só manter-se, como a probabilidade de se vir a acentuar nos próximos anos começa a ser um cenário bastante plausível.
Ora, aqui chegados, as questões que me ocorrem são tão simples quanto: 1) porque razão estamos a virar à direita num momento histórico cada vez mais incerto?; 2) São esses partidos que nos transmitem maior confiança neste mundo carregado de imprevisibilidade em que estamos a viver?; 3) Qual será, então, o motivo para essa deslocação do sentido do voto rumo a partidos que professam uma ideologia que, pensávamos nós, estava excluída há muito da equação do Poder? Será que é uma simples reacção a políticas quase de extrema-esquerda, levadas a cabo por partidos da esquerda moderada que se cristalizaram no Poder, mas que se deixaram mimetizar e influenciar pela extrema-esquerda?
Do meu ponto de vista, os ganhos eleitorais da extrema-direita, cujos ideais assentam em princípios que são muito caros a uma franja cada vez maior da população, o que não deixa de ser surpreendente, surge em consequência de políticas que assentam num novo modelo cultural denominado de WOKE. Assim, temos assistido a uma reacção cada vez mais evidente de uma grande parte dos eleitores, cansados do ridículo que as caracteriza (segundo a minha maneira de encarar a vida e o mundo, claro!) e a que se chegou, em que, por exemplo, o leite deixou de ser “leite gordo” para se passar a designar por “leite inteiro”, pois o primeiro conceito poderia ferir susceptibilidades (não sei a quem, sinceramente, se aos gordos se ao leite!). Diga-me lá, então, caro leitor, se não se chegou a um ponto que roça o ridículo?
É contra esta Cultura Woke, eivada de ideias com as quais muitos eleitores não conseguem identificar-se, e a que alguns chamam de “progressistas” mas que para a maioria não passam de inconsequências inexplicáveis, que as pessoas tendem a revoltar-se, sendo que a melhor forma que têm à disposição para demonstrar a sua discordância é votar naqueles partidos cujos discursos se afastam claramente desses novos caracteres ideológicos que são, no mínimo, discutíveis.
Não vale a pena falar sobre questões de género, ou de imigração, ou de justiça, ou de diversidade pois são temas quase tabu para quem tem ideias que não vão ao encontro do que está estabelecido por essa nova abordagem woke da sociedade. Pessoas que pensam diferente do status quo e que têm o desassombro de dizerem o que pensam de forma correcta e educada e fundamentada são logo estigmatizadas e adjectivadas de racistas, homofóbicas ou outras coisas também muito “simpáticas”. De facto, a extrema-esquerda, pois é disso que falamos, considera-se quase a dona da verdade absoluta (a deles), em que tudo o que fazem, dizem ou pensam é que está certo e todos aqueles que ousam ter uma ideia diferente são uns desgraçados que não evoluíram e se mantêm, por isso, na arqueologia do pensamento humano.
Um acontecimento muito recente, já deste mês de Março, reflecte na perfeição o estado a que se chegou: o treinador de futebol José Mourinho disse, numa conferência de imprensa posterior a um mero jogo de futebol, a propósito dos jogadores e do staff da equipa adversária que estavam no banco de suplentes, que, de cada vez que o árbitro apitava, eles pareciam macacos a saltar. Caiu o “carmo e a trindade” e aqui d`el rei: José Mourinho foi acusado de racismo. Como assim? Foi de tal forma que ex-pupilos do treinador português vieram comentar a insanidade dessas acusações, pelo que, ao que parece, as coisas ficaram por aí. Chegou-se, de facto, a um estado de uma certa loucura colectiva; a um estado de uma certa estupidificação que leva as pessoas a afastarem-se cada vez mais do centro do espectro político e a reverem-se em partidos que lutam contra essa estupidificação da sociedade, que é, na realidade, o que está a acontecer. E tenho por mim que quanto mais insistirmos neste movimento woke mais a extrema-direita vai agradecer, crescendo nas intenções de voto, pois o seu discurso sabe aproveitar as fragilidades (que são muitas) das formas de governo actuais.
Apesar dos discursos de partidos como o Chega e o Vox (espanhol) terem pouca consistência ideológica e programática, demonstram e dão voz àqueles que se revoltam com o que está a acontecer na nossa sociedade. Daí o seu crescimento.
E agora perguntar-se-á o leitor qual a razão do título deste texto: “Karla Sofia Gascón”? Ora bem, Karla Sofia Gascón é uma reputada actriz espanhola e, como sabe quem segue temas relacionados com o cinema, foi indicada ao Óscar de Melhor Actriz pelo seu desempenho no filme “Emília Pérez”, tendo também sido indicada para outros prémios nos principais eventos do cinema mundial (entre os quais ao Bafta, que são os Óscares do cinema inglês). Dois pormenores: 1) KSG é uma actriz transgénero, cujo nome de baptismo era José Carlos Gascón. Até aqui nada de especial ou anormal, pois cada um deve perseguir os seus sonhos para ser feliz. Um bem-haja, portanto, à actriz, cujo trabalho em Emília Pérez tem sido extraordinariamente elogiado. 2) KSG passou de ser a principal candidata ao Óscar ao ostracismo por toda a Academia e inclusivamente pelos seus colegas porque, pura e simplesmente, teve a ousadia de manifestar publicamente as suas opiniões sobre assuntos que, do ponto de vista da cultura woke, são dogmáticos e, portanto, quem quer que tenha uma opinião não alinhada, discordante com os dogmas vigentes, será vítima de ostracismo. Portanto, a cultura woke, ao invés de aceitar opiniões diferentes, ao invés de aceitar o contraditório, é incoerente, pois esquece-se, na sua luta pela liberdade, de respeitar a liberdade mais importante, que é a liberdade de pensamento.
Portanto, KSG foi vítima de delito de opinião, algo que, pensávamos nós, já não poderia acontecer nos dias de hoje. Do meu ponto de vista, são situações como a de José Mourinho, a do leite que agora já não é gordo, das canetas que já não são pretas ou a de KSG (para referir apenas estes simples exemplos, pois muito haveria para debater sobre o assunto) que levam o eleitorado a manifestar-se de forma revoltada, dando maior poder à direita e à extrema-direita.
Se as coisas continuarem com as actuais dinâmicas, não se queixem, recordando que o mesmíssimo Adolf Hitler chegou ao Poder através da forma mais democrática que se possa imaginar: ganhando eleições.
Por: Luís Mergulhão